Sem camisa e com o físico sem os músculos definidos dos jogadores de linha, o goleiro Emiliano “Dibu” Martínez procurava alguém com o olhar. Levou alguns segundos, até que achou o alvo no estádio de Lusail. Era o técnico da Holanda, Louis van Gaal.
“Eu te fodi duas vezes. Ok? Te fodi duas vezes!”, gritou, enquanto era contido por integrantes da comissão técnica. Antes de dar as costas, ainda xingou o rival mais uma vez.
As “duas vezes” foram as defesas das cobranças de Virgil van Dijk e Steven Berghuis na disputa de pênaltis. Lances que levaram a Argentina para a semifinal da Copa do Mundo do Qatar após o empate em 2 a 2 no tempo normal e prorrogação pelas quartas.
Os nervos estavam à flor da pele após trocas de empurrões, insultos e discussões acaloradas por 120 minutos. A seleção sul-americana vencia por 2 a 0 até os 38 minutos do segundo tempo e levou empate no último lance, aos 55.
A revolta de Dibu era porque Van Gaal disse que, na sua opinião, a Holanda levaria vantagem se a decisão acontecesse nos pênaltis. Para o goleiro, a opinião foi ofensiva porque mexeu em seu orgulho de especialista em defender essas cobranças.
Ele também se queixou (como todos os demais jogadores), da arbitragem do espanhol Mateo Lahroz. Chamou-o de “inútil”. Mas sua fúria maior era com Van Gaal a quem, em entrevista após a partida, mandou “calar a boca”.
“Dibu precisa desse tipo de incentivo para si mesmo. É o estilo dele para se motivar, para ir adiante e costuma dar certo”, afirma o seu irmão, Alejandro Martínez, que vive em Mar del Plata. “Algumas das coisas que ele disse já entraram para a história”.
No jogo de provocações, Martínez é um boleiro à moda antiga. Não tem o menor receio em xingar o rival, dançar na frente dele ao fazer a defesa e falar coisas que irritam. Repetiu a estratégia contra os holandeses. Todos os cobradores europeus ouviram alguma graça do sul-americano.
“Mirá como te como, irmão” (olha como te como, irmão), berrou para o colombiano Yerry Mina antes da decisão por pênaltis pela semifinal da Copa América de 2021. Como Dibu defendeu o chute do rival e a Argentina foi campeã, o momento entrou no imaginário do torcedor.
O goleiro ainda protagonizaria comercial da rede argentina de lanchonetes Mostaza em que repetia seu bordão.
Ele depois juraria ter provocado Mina porque os colombianos teriam chamado os argentinos de “pé-frios” por sempre perderem jogos decisivos.
“Dibu está vivendo seu sonho. Desde muito pequeno, desde que começou a jogar, ele dizia que seria titular da seleção argentina”, completa o irmão Alejandro.
Não apenas por causa do goleiro, mas também por ele, a Fifa abriu processo disciplinar contra a Argentina pelas declarações dadas após as quartas de final. Lionel Messi também questionou o árbitro espanhol e ainda perguntou “está olhando o quê, bobo?” para o atacante Wout Weghorst, na zona de entrevistas pós-jogo.
As provocações podem ser uma forma de proteção para quem teve de amadurecer rápido e longe de casa. Martínez, 30, jamais atuou como profissional na Argentina. Foi comprado pelo Arsenal (ING) quando tinha 16 anos, em 2008. Acabou emprestado para sucessivos times e, na maioria deles, não teve chance de jogar.
Apenas em 2020, aos 28, teve sequência na equipe inglesa, conquistou a Copa da Inglaterra e foi comprado pelo Aston Villa, onde hoje é titular.
“Ele chegou a questionar, em alguns momentos, se deveria continuar a carreira, já que não conseguia atuar”, lembra o irmão.
As provocações não são bem recebidas por todos nem mesmo dentro da Argentina. Nacho González, goleiro com passagens pela seleção, disse que Dibu estava deixando o personagem tomar conta. Alfio Basile, técnico histórico e que comandou a alviceleste no Mundial de 1994, pediu para que parasse com essas coisas.
O próprio Martínez reconheceu não ser essa imagem que deseja passar para as crianças que o têm como ídolo.
“Se eu pudesse dar um conselho aos jovens jogadores, seria para ter um psicólogo e fazer ioga ou pilates. Podem salvar suas carreiras”, afirmou em entrevista ao diário espanhol El País.
Apesar das explosões em campo, ele fala com uma psicóloga três ou quatro vezes por semana. Quando começou a chorar no vestiário após a vitória sobre a Colômbia na Copa América de 2021, foi para ela que ligou para se acalmar e ficar centrado.
Outros integrantes da seleção já disseram que falta ao goleiro “uns parafusos”. Não que ninguém tenha pensado nisso quando Dibu Martínez fez as defesas que levaram a Argentina para a semifinal da Copa do Mundo. Ser louco pode ter sido até uma virtude. Faz com que seja também adorado pelo torcedor que, na saída do estádio de Lusail, gritava seu nome na mesma intensidade que o de Messi.
É uma campanha para cumprir a promessa que fez a si mesmo: se tivesse chance de ser chamado para o Mundial, treinaria como nunca.
Para isso e em nome de ser campeão, abriu mão até da sua refeição preferida: batata Pringles com Coca-Cola.