Na manhã de 25 de junho de 2018, Lionel Scaloni desceu à recepção do hotel em que estava a seleção argentina em São Petersburgo. Em poucas horas, a equipe enfrentaria a Nigéria em confronto decisivo do Mundial da Rússia.
Um grupo de torcedores o viu e se aproximou. Ele era na época auxiliar do treinador Jorge Sampaoli.
“Como está o neném?”, foi a questão que ouviu.
“Bem. Pronto para o jogo”, respondeu.
O “neném” era Lionel Messi. A ansiedade era porque dependia do camisa 10 a classificação na fase de grupos. A Argentina venceu por 2 a 1.
Já naquela época, Scaloni, ex-lateral que teve suas passagens mais marcantes por La Coruña (ESP) e Lazio (ITA), era o integrante mais acessível em uma comissão técnica rachada por causa de uma briga entre Sampaoli e seu assistente Sebastián Beccacece.
Após a decepção de 2018, ele foi escolhido para assumir o cargo principal. Parecia estranho. Era um prêmio para quem jamais havia dirigido clube nenhum, quanto mais uma seleção. Parecia ser mero interino, um tapa-buraco antes da chegada de nome de mais peso.
“Há outras grandíssimas seleções no Mundial, mas nós conseguimos fazer com que Lionel Messi e seus companheiros se sintam cômodos em campo”, disse ele nesta segunda-feira (12), um dia antes da partida mais importante de sua vida.
Nesta terça-feira (13), às 16 horas (de Brasília), a Argentina enfrenta a Croácia no estádio Lusail pela semifinal da Copa do Mundo do Qatar.
Visto no passado com desconfiança por imprensa e torcedores, ele depois se tornaria o criador da “Scaloneta” (apelido pelo qual sua seleção ficaria conhecida), a liderança calma que conseguiu acabar com o jejum de títulos da alviceleste e deixou Messi contente. E se Messi está feliz, a Argentina está feliz.
“Vou dizer o quê? Ele é o melhor de todos os tempos”, opinou Scaloni após a vitória nas quartas de final sobre a Holanda, quando o camisa 10 deu passe mágico para Molina abrir o placar e anotou o segundo gol, de pênalti.
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Nos elogios rasgados ao seu capitão ele imita seu antecessor. Em alguns momentos durante o Mundial da Rússia, parecia que Messi era o treinador. Nos minutos finais da vitória sobre a Nigéria, Sampaoli chegou a avisar, com tom de consulta, que iria colocar Kun Aguero em campo.
Scaloni não tem o jeito explosivo e difícil do atual técnico do Sevilla (ESP). Um dia antes de enfrentar a Holanda, lembrou-se do aniversário de dois anos da morte de Alejandro Sabella, outra de suas influências.
Os dois compartilham a maneira ponderada diante dos jornalistas e a calma em situações difíceis. Minutos após ter perdido a final do Mundial de 2014 para a Alemanha no Maracanã, Sabella foi confrontado por pergunta provocativa de um programa humorístico brasileiro, já extinto.
Em vez de se enervar ou provocar polêmica, deu resposta tranquila e sem alterar o tom de voz.
Scaloni já afirmou, durante o Qatar, que não se pode viver o futebol como algo mais do que um jogo. E tem feito de tudo para tirar a tensão remanescente do confronto contra a Holanda.
Messi provocou o técnico Louis van Gaal, o goleiro Emiliano Martínez chamou o árbitro espanhol Mateu Lahoz de “inútil”. Houve seguidas trocas de ofensas e empurrões entre atletas das duas seleções.
Não é do perfil do atual treinador argentino, como não foi o de Sabella, inflamar as tensões.
“Esta partida se jogou como teria de se jogar. O futebol é isso. Há momentos em que o jogo pode ficar difícil, com discussões. Há um árbitro para colocar justiça. Nós sabemos perder e ganhar. Perdemos a primeira partida contra a Arábia Saudita e fomos caladinhos para o hotel. Ganhamos a Copa América do Brasil e se deu a imagem mais bonita de desportividade que se pode ver. Não compro essa história de que não sabemos ganhar. Deve-se acabar com isso porque temos orgulho”, afirmou nesta segunda.
Por causa de imagem captada no momento do encerramento da disputa de pênaltis, em que jogadores sul-americanos comemoram olhando para os holandeses, parte da imprensa europeia os acusou de soberbos e de não saberem vencer.
Após o título da seleção na Copa América de 2021, fotografia mostra Neymar ao lado de Messi no vestiário do Maracanã. Os dois riem e conversam.
Scaloni tem como um de seus gurus e conselheiros Cesar Luis Menotti, treinador campeão mundial de 1978 e diretor de seleções da AFA (Associação de Futebol Argentino). Foi quem, no auge das críticas em 2019, quando o time iniciou a Copa América jogando mal e perdendo para a Colômbia, assegurou a permanência do novato.
A base da Argentina semifinalista do Mundial foi montada por Scaloni. É dele a responsabilidade pela presença de Dibu Martínez no gol, Cuti Romero na zaga, Rodrigo De Paul como incansável nome no meio-campo, o surgimento de Enzo Fernández e Julián Álvarez, a escalação de Alexis MacAllister quando se reclamava que o técnico convocava um atleta do pequeno Brighton, da Inglaterra.
Mas nenhum é um fiador tão grande do seu trabalho quanto Lionel Messi. O treinador até deu de ombros quanto aos seus méritos em tornar o seu capitão que, ao intimidar adversários e reclamar de árbitros, uma versão mais próxima de Maradona.
“Isso não surpreende porque o conheço. Sempre foi assim. Não é mérito desta comissão técnica. Sempre foi igual, um ganhador. E tem um orgulho e uma vontade de continuar jogando que atrai inveja”, finalizou.
Conhece desde 2018, quando ouvia as perguntas de como o “neném” estava.